sexta-feira, 8 de agosto de 2014

19º Domingo do Tempo Comum - A provação da nossa fé

 Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
Mateus (Mt 14, 22-33)

Narra o Evangelho deste Domingo que, “depois da multiplicação dos pães, Jesus mandou que os discípulos entrassem na barca e seguissem, à sua frente, para o outro lado do mar”. É o próprio Jesus quem manda os Seus discípulos para uma situação de perigo. Embora essa ordem nos possa deixar perplexos, São João Crisóstomo a explica: “Ele permite que eles passem toda a noite em perigo para, desta maneira, excitar o temor no coração dos discípulos e suscitar neles um desejo grandíssimo de Si e a Sua memória ininterrupta. Por isso não os ajudou imediatamente, mas, à quarta vigília da noite, veio até os discípulos, andando sobre o mar” [1].

Enquanto os discípulos permaneciam no mar agitado, escreve o evangelista que “Jesus subiu ao monte, para orar a sós”. Situação análoga enfrenta hoje a barca da Igreja: enquanto ela é confrontada pelo vento impetuoso e pelas ondas fortes, Jesus permanece no “monte”, intercedendo por ela. Comenta Santo Agostinho que:

    “Em sentido místico, toda montanha designa altura. E, neste mundo, que há de mais alto que o céu? A fé conhece quem é Aquele que verdadeiramente sobe ao céu. Mas por que ascende sozinho? Porque ‘ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu’ (Jo 3, 13). Ainda quando vir no final dos tempos, para nos levar ao Céu, Ele subirá sozinho, porque a cabeça com o corpo formará um só Cristo. Agora, no entanto, sobe apenas a cabeça. Sobe para orar porque sobe ao Pai para interceder por nós” [2].

Por ora, então, a Igreja é provada, assim como foi provado São Pedro. Ao ver o Senhor andando sobre as águas, o discípulo, tomado de coragem, “lhe disse: ‘Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água’. E Jesus respondeu: ‘Vem!’ Pedro desceu da barca e começou a andar sobre a água, em direção a Jesus. Mas, quando sentiu o vento, ficou com medo e, começando a afundar, gritou: ‘Senhor, salva-me!’”

O Apóstolo Pedro só começa a afundar por causa de sua pouca fé, como o Evangelho conta: “Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro, e lhe disse: ‘Homem fraco na fé, por que duvidaste?’” A palavra grega usada por São Mateus é “Ὀλιγόπιστε”, que significa, literalmente, “pouca fé”. Se ele tinha “pouca fé”, isso significa que a fé pode crescer.

Santo Tomás de Aquino explica que:

    “A magnitude de um hábito se pode considerar sob dois aspectos: o objeto e a sua participação no sujeito. Também se pode considerar o objeto sob dois aspectos: ou segundo a razão formal ou atendendo materialmente às coisas propostas para crer. O objeto formal da fé é único e simples, isto é, a Verdade primeira, como já expusemos. Desde esse ponto de vista, a fé não se diversifica nos crentes, mas é especificamente uma em todos, como dizemos. Mas as verdades materialmente propostas para crer são muitas e podem ser acolhidas mais ou menos explicitamente. Sob esse aspecto se pode crer explicitamente mais coisas que outro, como também pode ser maior a fé no sentido de um maior desenvolvimento de seu objeto. Considerando a fé segundo a participação no sujeito, oferece-se a desigualdade de duas maneiras, enquanto, como já exposto, o ato de fé procede da inteligência e da vontade. Pode-se, portanto, dizer que a fé é maior em um que em outro, ou por parte da inteligência, por causa de sua maior certeza e firmeza, ou por parte da vontade, por causa de sua maior prontidão, entrega e confiança.” [3]

“O ato da fé – explica, noutra parte – é ato da inteligência determinado ao assentimento do objeto pelo império da vontade. O ato, pois, de fé está em relação tanto com o objeto da vontade – o bem e o fim – como com o objeto da inteligência, que é a verdade” [4]. Hoje em dia, muitas pessoas tendem a ver a fé como um sentimento. Mas, o Aquinate lembra que se trata de um ato da vontade: ela ordena a inteligência que, por sua vez, crê.

Para que cresçamos na fé, precisamos entrar na amizade com Deus, pois é o amor o que dá forma a todas as virtudes. Ao cometer um pecado mortal, embora restem as virtudes da fé e da esperança na alma – a menos que se tratem de faltas diretas contra a fé e a esperança –, extingue-se imediatamente a caridade. Urge recuperá-la, por meio da reconciliação, para praticar verdadeiros atos de amor a Nosso Senhor. Nesse processo, são importantes as provações que Jesus permite que soframos – assim como o mar agitado e o vento forte foram importantes para São Pedro –, porque a fé, uma vez provada, faz aumentar o nosso amor. Diante das dificuldades, lancemo-nos com destemor à vontade de Deus, confiando na palavra do Apóstolo: “Tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus” [5], e repetindo, com o pai do menino epilético do Evangelho: Senhor, “eu creio, mas ajuda-me na minha falta de fé” [6].

Também é importante destacar que, em nossa luta espiritual pela fé, a ação demoníaca para nos perder é viva e atuante. Não é raro que aconteça de o demônio suscitar em nós alguma dúvida, a qual se deve repelir com firmeza e prontidão. Essa dúvida não se confunde com um questionamento intelectual, que, ao invés de pôr em questão a autoridade de Deus, nos ajuda a estar “sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir” [7]. Como ensina o bem-aventurado John Henry Newman, “dez mil dificuldades não geram a dúvida”.

Para que percamos a fé, Satanás também se utiliza das más leituras e de nossa própria soberba intelectual – o mais perigoso obstáculo que podemos enfrentar, pois que fecha o nosso coração à misericórdia divina. Como preleciona São Pedro, “Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes” [8]. Aproximemo-nos, pois, confiantemente de Deus, peçamos-Lhe que aumente a nossa fé, humilhemo-nos diante de Sua presença e, principalmente, busquemos amá-Lo, pois o “o amor é o vínculo da perfeição” [9].
 
Fonte/site: Padre Paulo Ricardo

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